Cadernos de Campo 05. Caiumba ou Batuque de Umbigada de Tietê, Piracicaba e Capivari (1993)

Série Cadernos de Campo

Esta série de seis filmes montados a partir de captações em video VHS e áudio DAT (digital) trazem a público alguns dos primeiros registros de campo realizados pela Associação Cultural Cachuera! em comunidades que mantêm formas de expressão tradicionais. São eles: Festa do Divino em São Luís do Paraitinga-SP (1992-1993), Congada de Ilhabela-SP (1993), Jongo da Tamandaré em Guaratinguetá-SP (1993), Caiumba ou Batuque de Tietê, Piracicaba e Capivari-SP (1993), Festa de NS do Rosário na Comunidade Negra dos Arturos, em Contagem-MG (1992) e Festa de Santana na Irmandade do Rosário de Justinópolis, em Ribeirão das Neves-MG (1996). Tais registros marcam o início de um longo período de documentações junto a coletividades culturais afro-brasileiras de matrizes bantu que nossas equipes informais, pessoas de diversas áreas, levaram a cabo sob o codinome Cachuera!.
A idéia por trás dessas gravações e vivências era conhecer e dar a conhecer riquezas culturais, artístico-religiosas, filosóficas, etc que o véu opaco da branquitude teima em esconder de nós brasileiros - nessa parte do país em particular, domínios da “locomotiva” econômica. Coisa que cedo perceberíamos e que nos motivou a cada vez mais adentrar, por conta própria, a grande rede de festas populares negras do nosso entorno geográfico.Nosso pequeno núcleo brotara das aulas de percussão brasileira que Paulo Dias ministrava no Coral da USP no início dos anos 1990. Em 1997, decidimos que esse coletivo de práticas e estudos das culturas afro-sudestinas – que, para além da documentação, incluía um grupo de danças, artesania de instrumentos (nossas famosas mukandas), estudos de poética popular etc - seria uma Associação Cultural “voltada ao registro, estudo e difusão das culturas populares brasileiras”, em especial aquelas da nossa área – os Estados do Sudeste - à época pouco contemplada no campo dos Estudos Afrobrasileiros. Carência essa que atingia diretamente as múltiplas formas de expressão de matrizes bantu predominantes na região.
Nos encontramos hoje há trinta anos desses passos iniciais, tendo visitado mais de 150 localidades entre Brasil, Cuba, S. Tomé e Príncipe e Portugal para atividades de registro de expressões culturais, com ênfase na música. “Música”, na verdade, se inclui num amplo tecido expressivo em que também se enlaçam dança, poética, linguagem dos tambores, drama, ritualidades e demais saberes-fazeres. A partir de um Edital do
PROAC de 2021, conseguimos digitalizar boa parte de nosso acervo de vídeo que se encontrava em fita magnética (1992-2007). Oferecemos em contrapartida a produção de seis edições documentárias dos materiais de campo mais recuados no tempo, no intuito de salvaguardar aquelas imagens de insuspeitada importância histórica e dotá-las de alguma estrutura narrativa.
Baseados, com certa fluidez, nos paradigmas teóricos e técnicos da Etnomusicologia, nossos registros visaram primordialmente a captação da prática musical em contexto ritual. Os cursos de Tiago de Oliveira Pinto e Kazadi Wa Mukuna realizados no Departamento de Antropologia da USP a partir de 1988 foram um ponto de encontro para muitos de nós, interessados na ideia de que a música atuava como termômetro da cultura dentro de um grupo social. Conforme sentenciou o sábio irlandês John Blacking, os caminhos da música, “som humanamente organizado”, permitem vislumbrar “sociedades humanas musicalmente organizadas”. Música movimenta a sociedade e deixa-se movimentar por ela.
“Cadernos de Campo”, nome escolhido pra batizar nossa série, refere-se à função que a câmera assume, na pesquisa de campo etnomusicológica, de servir como caderneta de anotações, descrevendo contextos rituais, detalhes de construção e execução de instrumentos, dança etc. Ela é, na verdade, uma coadjuvante do microfone que capta os sons musicais, líder inconteste nessa ordem de registro, e o segue por toda parte. Por vezes, também, dele se distancia, captando, por exemplo, cenas do entorno. O roteiro que nossos takes perseguem é o da cronologia das sequências rituais próprias a cada evento musical. É preciso confessar que, nesses registros de aprendizagem, certos elementos de inegável importância na celebração acabaram sumariamente ignorados, ou gravados em seus momentos finais...O que sempre nos impulsionou a visitar as comunidades mais vezes.

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